Literatura de Ficção Científica

Guerra do Velho de John Scalzi: resenha com cointreau

Ficção científica boa é uma ficção científica que não inventa a roda.

Será?

Com essa primeira frase e essa pergunta – míssil me aventurei em refletir uma resenha sobre “Guerra do Velho”, livro escrito por John Scalzi. O autor, diga-se de passagem, é “gato escaldado” na boa e velha literatura de ficção científica. Pra começar e encerrar essa parte da conversa, Scalzi foi presidente da Science Fiction and Fantasy Writers of America, além de já ter ganho os prêmios Hugo e Locus e ganhou, pelo livro “Guerra do Velho”, o prêmio John W. Campbell de Melhor Escritor Estreante. Feitas as breves apresentações, retomo a questão: será que um livro de ficção científica bom é caracterizado justamente pela simplicidade da trama, enredo e personagens?

Se a resposta for sim, talvez esteja correto e se for não também estará correto. E por que digo isto? Trama, enredo e personagens de “Guerra do Velho” (Gracias, Editora Aleph) tem um pouco das duas possíveis respostas, mas cá entre nós, acredito que há mais entre o céu de Coral que sonham os colonizadores humanos ou Rraey (quem leu ou vá ler entenderá a metáfora).

A premissa de “Guerra do Velho” é relativamente simples e, de certa forma, original. Lembram daquele filme Cocoon? É, aquele do Spielberg. Velhinhos que começam a ficar mais fortes e “provocar muita confusão” (no melhor clichê sessão da tarde). Não lembra? Não é da sua época? Tudo bem, veja originalidade dos redatores da Sessão da Tarde que passava na TV Globo (nem sei se ainda passa).

Bom, de toda forma, retornemos ao livro “Guerra do Velho”. Te surpreenderia ler um livro de guerra ambientado numa típica ficção científica cujo protagonista fosse um senhor de 75 anos de idade? Pois é. Apresento-os John Perry, viúvo e que ao completar seus 75 anos alistou-se no “Exército”. Interessante, não? Fica ainda mais. No período que se passa a história de “Guerra do Velho” a humanidade já atingiu as estrelas há alguns séculos. A Terra ainda está lá, firme e forte, passando por alguns conflitos imbecis como sempre, como a citada Guerra Subcontinental entre, aparentemente, EUA e Índia, guerra esta que os primeiros, pra variar, usaram de armas nucleares para derrotar seus adversários, mas tudo isso citado entre diálogos dos personagens, permitindo que nossa imaginação vá longe para pensar em mais merda feita pela humanidade. O alistamento de cidadãos idosos é o recorrente por uma razão: as Forças Coloniais de Defesa demandam soldados e a tecnologia do futuro permite algumas possibilidades interessantes como, por exemplo, “renascer” em um corpo mais jovem e disposto.

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A narrativa do livro é toda em primeira pessoa do singular. Podemos acompanhar os estranhamentos de Perry quando se alista, quando é levado para o Espaço Sideral, quanto ganha sua primeira patente e tudo mais. Mas também sentimos suas perdas, ou especialmente lamentamos as perdas dos outros e outras que o cercavam. “Guerra do Velho” é uma ótima metáfora para a pensarmos a forma como lidamos com os idosos (em alguns lugares desse mundo que estamos são encarados como “alguém que atrapalha o transito”), pois são eles os protagonistas da história, mas também não podemos esquecer em qual contexto, como personagens, são utilizados. E aí está o “pulo do gato”.

John Scalzi

John Scalzi

John Scalzi não inventou a roda. Ele basicamente escreveu uma ficção científica fortemente embasada na ideia de relatos antropológicos de pesquisadores sociais ao longo do séculos XIX e XX, adaptando o cenário de diversas etnias com culturas e religiões significativamente distintas, mas com muitos recursos naturais para ceder ao lado faminto do capitalismo europeu (mas com algumas crises de consciência): mapear, identificar e, se possível, converter as populações nativas alienígenas ao que os humanos acreditam, melhor, então, para os humanos, caso contrário, é guerra, guerra sistemática e com aparato militar (as Forças Coloniais de Defesa). John Perry, o protagonista, escritor de formação, se mostra com o desenrolar da história num verdadeiro “etnógrafo” das espécies alienígenas que travam contato com a humanidade, para bem e para mal. Interessante é que os soldados idosos identificados no livro todos são procedentes dos EUA. Os colonos, nunca nomeados, mas apenas descritos, são sempre “os outros” humanos, em geral com pele mais escura.

“Guerra do Velho”, aparentemente, tem muito de cunho ideológico (não sei se do autor ou foi magistral em reproduzir especificamente um Republicano do Meio Oeste), já que o escritor escreveu nos EUA e, verdade seja dita, primeiramente para leitores e leitoras dos EUA. Por exemplo, todos os recrutas idosos são dos EUA e, aparentemente, todos brancos. Personagens femininas são coadjuvantes e quando não são, funcionam como alicerces para o desenvolvimento do personagem John Perry. Também não há tempo para o protagonista discutir “ordens” e quando elas são questionadas (por um ex-senador democrata), coloca-se quem questiona no devido lugar da trama: na cova.

A trama é simples, como já havia dito. Posso até dizer que fortemente “preto e branco”. Mas são os detalhes que enriquecem o que vamos imaginar e nisto Scalzi faz bem (como são os Consus? E quais as espécies aliadas da Humanidade e porque? E as inimigas?). Scalzi escreve um livro que prende o leitor, vale a pena ler a obra, mas sendo bem sincero? Não espere muita coisa de um livro de guerra (mesmo no Espaço) com honrosas exceções: em “Guerra do Velho” há clichês e caricaturas de sobra.

 

2 pensamentos sobre “Guerra do Velho de John Scalzi: resenha com cointreau

  1. Em Ghost Brigades e The Last Colony, que são as sequências de Guerra do Velho, temos Jane Sagan como protagonista e um aprofundamento sobre as questões de colonização. Por exemplo, ele explica porque as “buchas de canhão” são os ocidentais, especialmente norte-americanos. The Last Colony invoca o mistério da colônia de Roanoke, por exemplo, e a tentativa de colonização de um planeta, mesmo que sendo proibido.

    O que mais gosto em Guerra do Velho é que não temos aquela misoginia descarada de obras de teor mais clássico. Temos uma aventura com personagens cativantes, mulheres soldados, gays e não temos aqueles pesados estereótipos irritantes. E o que mais me faz gostar do Scalzi é que ele bateu de frente com os Puppies na época da polêmica do Hugo Awards. 😀

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    • Te confesso que ficou aquém do que esperava, Capitã. Embora estes elementos todos que citou estejam contemplados, fiquei com essa impressão de que ele fez o feijão com arroz na trama. Como não li os outros livros e sabe-se lá quando a Força me permitirá, não tinha essa dimensão. Expectativa demais gera essa minha sensação, quem mandou eu ter?! hehehehe

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