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A representatividade no mundo nerd. Ela importa sim.

Sou homem e heterossexual, não sou branco (tenho uma “cara de Oriente Médio”), mas tenho privilégios. Se ando pelas ruas nas cidades que perambulo (e faço muito isto), posso até ter receio de ser assaltado, mas não me preocupo em ser violentado sexualmente. Numa roda de conversa (aqui no Brasil e, de certa forma, em muitos países da América Latina e certamente em todo mundo) posso falar abertamente sobre quantas garotas me envolvi sexualmente e ninguém me chamará de “vadio”, vão até me elogiar. Tenho vários outros privilégios, mas isso não significa que acredito que eles devam existir. Ao contrário.

batman hyperclanAo crescer, tive inúmeras referências “nerds” no mundo, todas que me davam uma sensação reconfortante de que poderia “ser quem eu quisesse” e capaz de enfrentar as dificuldades. Por exemplo, numa aventura da Liga da Justiça escrita por Grant Morrisson, o Batman enfrentou sozinho 4 Marcianos Brancos que o ridicularizavam por ser “apenas um humano”. Essa história sempre me deu um gás para enfrentar adversidades. Outra referência: Mestre Obi Wan Kenobi de Star Wars, uma referência em inúmeros momentos que se fosse parar para contar, seriam uns 10 posts. O que importa deixar claro é: há uma representação masculina muito bem solidificada na cultura nerd, representação esta que referencia os garotos em diversos lugares a se sentirem “o Batman” ou “o padawan Jedi” ou “o Homem Aranha”. Mas a representação nerd é ampla? Ou está mais direcionada aos homens, especialmente aqueles hetero e branco, por exemplo?

Acho que a resposta é que a representação até existe, mas é bem limitada ou, em alguns casos distorcida, ridicularizada ou inexistente.

A representatividade é um assunto que vem ampliando cada vez mais espaço nos blogs e sites voltados ao cinema, aos quadrinhos e séries de TV. Mas o que quero chamar a atenção de quem lê sempre ou passou por acaso aqui por essas bandas é a representatividade das minorias e “minorias”. Como assim? Quando associo representatividade a minorias, refiro-me a pessoas lésbicas, gays, travestis e transexuais, por exemplo, quantitativamente uma minoria no conjunto social e que são subrepresentadas. Quantos personagens transexuais nas histórias em quadrinhos você lembra de imediato? Há uma travesti xamã na série Os Invisíveis de Grant Morrisson. Chamo a atenção para a construção dessa personagem e que recomendo fortemente que interessados e interessadas em HQ leiam essa série. Por exemplo, o processo de transição xamânica de Lord Fanny é estonteantemente fantástico, o que deixaria até Carlos Castaneda, autor de A Erva do Diabo com orgulho. Os Invisíveis, por exemplo, é uma série autoral publicada na Vertigo.

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E no mundo dos super heróis? Chamou a atenção (e a revolta de inúmeros homofóbicos) do público nerd e não nerd quando a DC Comics anunciou que o Lanterna Verde Alan Scott da Sociedade da Justiça seria rebootado como um personagem gay. Foi uma choradeira que só. E de muitos brasileiros, o que gerou até uma ironia do autor James Robinson (que capitaneava a ótima série Terra 2 na época) que o próximo namorado de Alan Scott seria brasileiro. Qual o problema de Alan Scott da Terra 2 ser gay? é sua sexualidade que define seu heroísmo? É, definitivamente, uma pobreza de espírito pensar que a honra e a empatia que movem um herói e uma heroína deva-se, na mente destes homofóbicos, a sua sexualidade.

E quanto a outra representatividade de minorias (que não são minorias)? Aí reside uma ironia quantitativa: as mulheres não são minoria no mundo. Aqui no Brasil é que não são mesmo, como podem checar no IBGE. Alguém poderá me dizer: “ah, mas elas são minoria no mundo nerd”. Ledo engano, responderia ao comentário. Se você é minimamente ligado em redes sociais e as leva a sério, saiba que as garotas são consumidoras sim de cultura nerd e seus números são expressivos. Mas é claro que há uma diferença entre elas serem consumidoras de produtos “nerds” e serem representadas por eles.

Ou pior: serem representadas de uma forma unilateral, especialmente como uma princesa que depende de um príncipe para resgata-la. Embora essa associação entre princesa/príncipe remeta ao mundo animado Disney, podemos perceber com o mínimo esforço que para além desse mundo de Branca de Neve, Cinderella e Bela, esse modelo é reproduzido também em adaptações cinematográficas de HQ’s, como se dá o caso do Homem Aranha de Sam Raimi, no qual sua Mary Jane apenas grita e é retratada como alguém incapaz de se defender e agir por conta própria. O que temos aí, nestes poucos retratos limitados e que não estimulam a independência e iniciativa feminina, a dura e cruel falta de representatividade. É bobagem o que estou dizendo? Se você, leitor (escrevo este parágrafo para você, homem) nunca percebeu isto, experimente ir ao cinema ver ou rever Vingadores e preste atenção na quantidade de display de Capitão América, Homem de Ferro, Thor e Hulk. E conte quantos da Viúva Negra e da Feiticeira Escarlate. Eu contei nos dois cinemas que fui, de duas cidades diferentes (São Paulo e Maceió): não havia nenhuma das duas personagens. Daí não me importei em contar quantos display dos outros personagens. Não importava. Não havia representação ali também. E quanto a brinquedos das duas personagens as meninas poderiam encontrar para pedir a seus pais para comprar? Vai ser difícil encontrar, como podem ler aqui nesta matéria. Mas sabe o que impressiona, algo que não é dito oficialmente, mas está na nossa cara: brinquedos para meninas já existem. E adivinha para qual intuito? Quem pensou em “cuidar do bebê” ou “brincar de casinha” acertou. E vejam o que diz um funcionário da Disney:

Um ex-funcionário da Marvel que não quis se identificar disse ao “The Mary Sue”, no começo deste mês, que a decisão de não incluir personagens mulheres no merchandising é deliberada. Segundo ele, um supervisor de marketing da companhia afirmou que a Disney já prioriza as meninas em outras linhas de produtos.

Basicamente o que é estimulado socialmente é a ideia de que cabe a menina se tornar mulher e cuidar da casa e esperar que um homem a tome da casa de seus pais e cuide dela, que seu sonho e suas referências culturais situem-se naquelas linhas de produtos mais do mesmo que sabemos bem quais são.

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Mas um leitor homem poderá me dizer que as mulheres são bem representadas sim no cinema de ficção científica, por exemplo. Eu até te ajudo a lembrar das personagens: Tenente Ellen Ripley de Alien, Sarah Connor de O Exterminador do Futuro, Trinity da Trilogia Matrix, Princesa Leia de Star Wars e, não posso esquecer, Imperatriz Furiosa de Mad Max: estrada da Fúria (essa última, alvo do ódio de desocupados “ativistas de direitos dos homens”, como se os homens recebessem menos que as mulheres, que sofressem assédio seja na escola ou no trabalho e entre um lugar e outro, como se não fossem devidamente representados na cultura nerd e não nerd). Mas queremos mesmo comparar a quantidade de protagonistas femininas com a quantidade de personagens masculinos? Não tem sentido simplesmente porque as mulheres são minimamente representadas. E o triste é que na lógica dos desocupados “ativistas de direitos dos homens” uma personagem como Furiosa ganhar destaque no filme de Mad Max automaticamente tirou importância do Mad Max no filme. A idiotice, assim como a zuera, parece não ter limites.

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Lembra que no início do post comentei das redes sociais? Então, elas estão mobilizando as pessoas e fornecendo espaços virtuais para o debate e também para os monólogos cheios de ódio, mas é quanto ao debate que me importo aqui. Mais e mais pessoas cobram das editoras de quadrinhos personagens e histórias que dialoguem com garotas e que, por que não, as inspire na leitura do mundo. A busca por produzir material que atenda essa demanda moveu duas mulheres que admiro, Lady Sybylla e Aline Valek, a organizarem uma coletânea de ficção científica – Universo Desconstruído que você ler gratuitamente clicando aqui – que tive a honra de publicar um conto, intitulado “Meu Nome é Karina”, sobre uma personagem transexual feminina. Definitivamente, foi um desafio literário. Fácil seria escrever sobre um homem que precisa enfrentar inúmeros desafios, tal qual Hércules, e no fim conquista uma princesa linda. Desafio foi escrever sobre uma personagem transexual feminina enfrentando um desafio colossal de vencer seu maior “inimigo”. Quem? Bom, se tiver curiosidade, vá lá e leia.

Poderia me alongar mais e mais neste post, mas acredito que posso termina-lo dizendo que a representatividade importa sim. E precisamos de mais.

3 pensamentos sobre “A representatividade no mundo nerd. Ela importa sim.

  1. Espero que daqui 50 anos as pessoas olhem para 2015 e pensem “vc acredita que eles ainda lutavam por representatividade? Como alguém pode achar que isso não importa??”

    Os tempos estão mudando, mas precisam mudar mais. 🙂

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