História em Quadrinhos

Histórias em Quadrinhos de Super-Heróis: está faltando um ISO 9000, não?

Talvez o maior mérito de uma criação artística seja sua capacidade de renovação diante da pressão por novidades cada vez mais supérfluas e desnecessárias existentes numa indústria cultural cada vez mais veloz e indiferente ao quesito qualidade. Acontece no Cinema, acontece na Televisão e também nas Histórias em Quadrinhos. Essa voracidade por mais histórias em quadrinhos, pela “criação” de histórias cada vez mais rocambolescas e mirabolantes é cada vez mais alimentada pela voracidade dos fãs por “novidades” cada vez mais quentes, mas também cada vez mais iguais, repetitivas e esperadas. Sim, o inesperado é escanteado, jogado de lado no sentido até mesmo caricato do termo. A profusão de histórias em quadrinhos em narrativas longas, cada vez mais longas, com pouco conteúdo verdadeiramente “original” diminui cada vez mais em conformidade direta a necessidade voraz de novidades. É como se fosse uma lei da oferta e da demanda. E, neste sentido, o ruim alimenta a produção de algo ruim para servir a quem busca algum tipo de prazer rasteiro, mas de fácil esquecimento que estimulará a busca por algo maior, mais propenso a sanar a sede por boas HQs. Mas não é o que ocorre. Ao contrário. É como se faltasse uma espécie de certificação ISO 9000  de gestão da qualidade nas HQs.

A formação mais tradicional da Liga da Justiça

Sejam personagens clássicos, sejam personagens novatos, tod@s estão suscetíveis aos “desmandos” editoriais capitaneados por um “mercado” cada vez mais cego a qualidade e cada vez mais surdo a razão de boas histórias. Uma saída é se tornar leitor apenas do selo Vertigo, da DC Comics. E tem muita gente das antigas que já “migrou” definitivamente para “o outro lado de lá”. Ou então à produção de HQs européias, brasileiras ou por “nicho estilistico” como as JQ (Jornalismo em Quadrinhos, como as ótimas Área de Segurança: Gorazde e Palestina: uma nação ocupada) Mas e quanto ao gênero de super-heróis, que tantos nerds barrigudos e hoje na casa dos trinta e poucos anos, tanto curtem/curtiram? O que fazer?

Que falta faz esse velho barbudo no mundo das HQs de super-heróis!

Nestas horas de uma quase desilusão das Histórias em Quadrinhos de super-heróis estadunidenses as saídas são poucas. Se formos sinceros mesmos, vamos reconhecer que nos últimos vinte anos poucas HQ de super heróis realmente foram “boas”, que dirá “ótimas”. Vamos fazer um excercício de memória? Mas desde já não vale acrescentar nada autoral, então pode tirar da lista Planetary de Warren Ellis & John Cassaday (belíssissamente autoral para mim, fugindo do puro gênero superhersoistico e mais próximo realmente de uma literatura visual), pode tirar também A Liga Extraordinária do velho barbudo e candidato a Papai Noel dos Hippies Alan Moore & Kevin O’neil. O que resta? Eu tenho uma lista de HQ de super-heróis que superaram, na minha opinião, a “curva” de baixa qualidade que move as HQ de super-heróis nos Estados Unidos e que os contumazes devoradores de sagas superheroísticas são “obrigados” a consumir. Mas assim como tenho essa lista de HQs que superaram a baixa qualidade da indústria de HQs, também tenho uma lista de material que poderia ter sido evitado. Mas é aquilo: opinião é opinião, já diria o Filósofo. E, por fim, acrescentarei uma história que se situa entre o “original” criativo e o mais simples e lamentável “mais do mesmo” das HQs atuais, graças, em minha opinião, ao desmando editorial guiado pela cega busca do rasteirismo criativo para o “mercado”.

And the Oscar goes to…

Hellboy: Hellboy é um personagem fodasticamente bom. Pertence ao gênero super-herói, mas tem aquela “pegada” autoral e isso é, no caso, um baita de um mérito. Mike Mignola acertou em cheio ao criar um personagem com densidade (putz, um “homem-demônio” que nasceu para combater àquilo que lhe foi predestinado) e estruturando-lhe com elenco de coadjuvantes excelente (Abe Sapien é muito bacana) e um repertório de histórias que fogem do gênero super-herói absoluto. Misturar história policial com pano de fundo (de frente, de lado, como queira) sobrenatural foi uma excelente sacada. São histórias, na sua maior parte, auto-contidas e avessas, na própria estrutura da HQ, ao eterno vai e vem de personagem e dramas dignos de novelas mexicanas, colombianos e brasileiras (estilo Manoel Carlos). Hellboy é, com toda certeza, um dos acertos desses vinte anos de HQ com temática super-herói. Suas melhores histórias, na minha opinião, são “Sementes da Destruição”, “O Despertar do Demônio” e “A Mão Direita da Perdição”. A Editora Mythos lançou as Edições Históricas condensando esses especiais do personagem com ótimo acabamento. O preço é meio salgado, mas vale a pena de qualquer forma.

Authority: É engraçado escrever sobre o Authority (o gibi quando escrito por Warren Ellis e Mark Millar). Acho que foi o melhor grupo de super-heróis criados desde a Liga da Justiça da América com uma saudável diferença: ela verdadeiramente não tinha limites, ao contrário da Liga da Justiça. O Authority, originalmente, era formado por personagens completamente despirocados. Liderado por uma mulher desbocada e casca dura, o Espírito do Século XX, chamada Jenny Sparks, o grupo era constituído por Apolo & Meia Noite, Jack Hawksmoor, Engenheira, Doutor e Swift. Já diria o Filósofo: “fala sério!”. Um grupo extremamente exótico com um casal gay parodiando Superman e Batman, um hippie (Doutor), um cara que vestia terno, mas não usava calçados (Hawksmoor), uma espécie de divindade budista tibetana alada um tanto quanto ninfomaníaca (Swift) e uma mulher inteligentissima que trocou todo seu sangue por maquinário liquido (Engenheira) e, claro, a despirocada Jenny Sparks que já fez de tudo um pouco na porra do século XX, desde se casar com um híbrido humano-alienígena de uma terra paralela até matar “deus”. O gibi da Wildstorm/DC foi um verdadeiro fôlego no apático mundo das HQs de super-heróis. Mas o fôlego acabou, infelizmente, juntando o   Authority ao tenebroso mundo dos super-heróis sem sentido que habitam o Multiverso DC/Wildstorm.

Supremos: Eu sou DCnauta de carteirinha. E confesso que quando li Supremos da Marvel fiquei de boca aberta. Era muito bom, roteiro dinâmico de Mark Millar e os estonteantes desenhos de Brian Hitch. E revitalizava, de verdade, todos os personagens figurões da Marvel, agora no Ultiverso: Capitão América, Thor, Hulk, Nick Fury, Homem de Ferro, Viúva Negra, Gavião Arqueiro, etc. Era bom mesmo. Só tem uma coisa. O que Mark Millar fez com os Supremos, ele já havia feito com o Authority. A diferença eram os personagens. Ok, estou sendo rigoroso demais.  Millar imprimiu uma dose mais, bem mais densa de realidade para o grupo e deixou o Capitão América simplesmente fodastico (mas ainda boto mais fé na Jenny Sparks). De qualquer forma, Supremos é uma das melhores HQs de super-heróis que possibilitaram um verdadeiro fôlego criativoao gênero. Até que o Jeph Loeb assumiu as histórias do grupo. Aí foi chororo.

Superman All-Star: talvez a melhor qualquer coisa que já fizeram com o Superman (filme, animação, HQ, etc). Quando li pela primeira vez me perdi na graça da narrativa, graça bem no sentido de recebimento de uma benção. Grant Morrisson conseguiu jogar na cara de todo leitor de HQ que não gosta do Superman e acha-o superado, que esse leitor está errado e precisa rever os valores. Ler cada uma das edições que fecham “os doze trabalhos” é saudavelmente maravilhoso e fica uma vontade danada de querer mais. Simplesmente espetacular.

Hitman: Garth Ennis é um doente. Simplesmente. Nem sei se Hitman deveria estar numa lista de obras de HQ de super-heróis porque Hitman é um anti-herói. Mas a ideia de um assassino profissional com um código de ética que tem poderes de telepatia é demais pra cabeça. E ainda por cima morando em Gotham City e vem ou outra trocando umas ideias com Batman, Superman, Lanterna Verde, Mulher Gato só para tirar onda é muito bom. E Garth Ennis não poderia deixar de criar uma estrutura de coadjuvantes também espetacular: Nat “boné”, Six Pack (e seu grupo, Bueno – com o poder da depravação –  e Defenestrador eram espetaculares), etc. Tinha de estar nesta lista, não tem jeito.

Outras séries poderiam e podem constar de uma lista dessas tranquilamente: Starman de James Robinson, Demolidor do Kevin Smith, Arqueiro Verde também do Kevin Smith, Superman: identidade secreta do Kurt Busiek, X-Men do Grant Morrisson e acho que vai fechando ai. No máximo mais dois ou três acréscimos.

And Framboesa Goes To…

Invasão Secreta: A típica porcaria de saga do gênero superheroistico, seja Marvel, seja DC. Não salvou nada. Prometeu, prometeu e nada de bom saiu daquilo. Nem tenho saco pra comentar muita coisa. Uma porcaria de mão cheia.

A Noite Mais Densa: Outro caça-níquel de qualidade extremamente duvidosa. Estou comprando todas as edições que estão saindo pela Panini porque sou um sofredor e ainda tenho alguns trocados sobrando. Mas minha vontade, de verdade, é parar de colecionar esses caça-níqueis que prometem mudar tudo, para não mudar nada.

Ultimatum: o que foi isso que a Marvel fez? Uma forma de tentar resolver um monte de decisões editoriais equivocadas. O que deu? deu merda. E agora, José? Que vai ser do Ultiverso? Boa pergunta.

A Noite Final: o que foi isso que a DC fez? Sinceramente, também não vale a pena comentar, acho que saga pior só Milênio. Quem discordar, que tenha a coragem de re-ler.

One More Day: Um dos motivos que parei mesmo de ler Marvel e o Homem Aranha foi a sequência de erros terríveis com o personagem. Começou na Saga do Clone e daí só foi piorando. E por piorar, terminou com One More Day. Fazer pacto com Mephisto (logo com ele!) para salvar a Tia May (verdadeira Highlander e mais poderosa que Galactus) em troca do casamento com Mary Jane foi demais para minha cabeça. Péssimo. Sem mais comentários porque fico puto com tudo isso.

E…

Crise Final: Quando li pela primeira vez que Crise Final fecharia de uma vez por todas as “Crises” da DC fiquei muito feliz. Crise nas Infinitas Terras era e é até hoje a mais complexa saga de HQ que já fizeram diante do: (1) tempo e (2) quantidade de personagens a serem envolvidos. Saiu melhor do que o esperado com momentos antológicos, como a “morte” do Flash Barry Allen combatendo o Anti-Monitor ou a morte da Supergirl também lutando contra o segundo mais fodido e poderoso vilão da DC. Segundo porque o primeiro se chama Darkseid. Esse eu boto fé, diria o Filósofo. Voltando para Crise Final, a premissa seria simples e espetacular: os Novos Deuses estão em guerra há milhões de anos, mas o “Lado Escuro” venceu. E Darkseid e seus asseclas vieram para a Terra, com o intuito de ocupar corpos humanos até o advento de hospedeiros definitivos. E mais: a tão sonhada Equação Anti-Vida foi solucionada e estava a disposição de Darkseid e a Terra seguiria apenas sua vontade.

Eu simplesmente pirei nessa ideia. Fiquei afoito esperando os números. Fiquei extasiado com a arte de J.G.Jones e com o ritmo maluco de Morrisson (para variar). A Mulher Maravilhsa se tornar escrava sexual de Darkseid. Foi extasiante, verdadeiramente, observar Batman ser capturado e torturado por Darkseid e, num dos momentos mais apoteóticos das HQs, ver Batman enfrentar Darkseid. O diálogo entre os dois personagens até hoje me faz ficar estrogonoficamente impressionado, diria o Filósofo e Linguista “Carro Velho” de Quixeramobim. Batman atira em Darkseid e este atinge-o com a Sanção Ômega. Apoteótico! Espetacular!

Mas…o público “massaveístico” (como se refere o Hell do MDM) não gostou. A história era complicada demais para os padrões básicos de consumo sem pensar muito. E, na minha opinião, houve a mais pesada interferência editorial que já tomei notícia. Ao ler e re-ler Crise Final observa-se nitidamente uma mudança de rumo na história. E para pior. Acho que a culpa é do Dan Didio, na época o editor chefe da DC. Perdeu-se, na época, uma bela história em virtude da baixa qualidade NECESSÁRIA hoje em dia para sagas de super-heróis.

No quadro geral, é preciso ter paciência para observar coisas boas serem publicadas no gênero super-herói nos Estados Unidos. A “solução” é migrar cada vez mais para a Vertigo…rs..mas sempre com a pontinha de fé que algo pode ainda salvar esse mundo dos super-heróis.

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